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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O BERÇO


 
Nos locais remotos deste vasto estado conhecido como minas gerais,tanto os raizeiros quanto as parteiras, desempenham papel fundamental na sociedade . Onde a medicina fosse nula ou ainda desconhecida por muitos,eram esses profissionais da saude que tinham de socorrer os seus semelhantes, a qualquer hora do dia ou  da noite.
Este primeiro Causo que vou contar, com a ajuda de uma senhora de extrema inteligencia e lembrança de fatos dos idos tempos, chamada Rosalina L.Pereira, refere-se a uma parteira que nunca deixava de atender suas suplicantes futuras mães, sem antes colocar dentro do seu bornal, uma pequena e desgastada imagem de Nossa Senhora do bom parto!

Foi por volta de 1915 ou 16 que deu-se um fato neste então arraial ,que abalou a fé e a rotina de seus habitantes.
Uma jovem senhora que nao completara os seus 15 anos de idade, estava grávida. Por sentir extremo mal-estar diante do seu metabolismo, maldizia o ser que gerava sempre que estava longe dos olhos de sua aia . Já, o seu velho e abastado esposo, nao media esforços para agradar aquela futura mãe e ao herdeiro(a) que nasceria literalmente rodeado com o  melhor que o mundo civilizado de então, tivesse a vender. Canastras repletas de tecidos brocados, linho ingles, brinquedos de porcelana, cristais e prataria chegavam de mes em mes do porto da cidade de são sebastião do rio de janeiro trazidas sobre mulas e carros de boi, por tropeiros atraves do unico acesso existente na época para o interior das minas gerais - a estrada real.
Dentre os objetos que chegaram ao casarão, o que mais deixou intrigada a gestante foi o berço de bronze todo aveludado em suas almofadas de pena de ganso que se erguia sobre quatro encaixes servindo como pés, com feições de macacos maliciosos e de aspecto  grotesco. No contexto, a peça parecia ter sido burilada por algum mestre italiano ou frances do melhor atelier europeu . Tal exótico berço logo tornou-se o assunto diário do arraial. Muitos habitantes com a desculpa de trazer frutas ou víveres ao casal, apareciam apos a  ¨Quitanda ¨das quartas-feiras apenas para dar uma espiada no tal mobiliário que se encontrava na entrada do saguão; enquanto que os outros objetos repousavam sossegados no boudoir da senhora, longe dos olhos até mesmo dos criados externos da casa .

Cada vez mais cheia de repulsa e transtorno por aquele seu proeminente ventre, a jovem senhora acompanhada sempre da aia, passava horas a fio caminhando sobre as pedras ao encontro do paço das jaboticabeiras, onde podia tirar os sapatos e descansar confortavelmente sem os laços e cordões que apertavam seu vestido .
Foi numa das tardes em que retornavam, já proximas do poço do querê-bem, que a jovem quase desfaleceu com um fluxo sentido com muita intensidade; a aia apavorada, gritava para que quem estivesse nas imediações acudissem  sem demora .

Dentre as pessoas a acudirem a senhora, a primeira a chegar e tocar na moça, foi uma raizeira e parteira de nome nêga-dos-arcos; tal apelido lhe fora dado porque ela costumava usar algumas argolas de ferro  costuradas ao redor da saia, que ha tempos idos serviram de grilhão à sua mae - a primeira negra fôrra da região que caíra na graça de um fazendeiro local, que na época residia com a familia em baependi, mas religiosamente enviava suprimentos aos familiares da  amante .
Ao tocar por impulso, o ventre da jovem senhora, a velha parteira ficou visivelmente desconcertada ; amarrou a cara e disse sem cerimônia :   -  Essa criança num pode nascê aqui não, vai trazê disgostu e réiva a toda gente decenti do arraiá ! Deus tá zangado com vossuncê ... preciza pará de xingá o anju ! 

A jovem empalideceu e nao disse uma unica palavra.  Nao faltou gente a esse tempo, a correr para perto da gestante com o propósito de ofender e enxotar a parteira. Ameaçaram-na inclusive com chicote se ela não se desculpasse pelas palavras ofensivas à dama da sociedade local . A nêga-dos-arcos não se deixou intimidar e olhando fixamente pra todos em volta, completou sua fala, com a seguinte revelação :
- Essi poço qui mata sede de todus oceis num é lugá pra afogá genti nem animar novinho !  Só em pensá tar coiza, Deus já tá Castigando ... sendo brancu ou pretu, ricu ou pobri ! Foi o Escandalo do ano, tal episódio .  A parteira, para se sentir fora da perseguição  popular, resolveu descer a serra e se alojar numa gruta nos lados do congonhal onde apenas os bichos lhe fariam companhia sincera . Não atenderia a nenhum chamado daquele arraial pelo resto dos seus dias, mesmo que o padre a ameaçasse de excomunhão.

O tempo foi passando e aos poucos o arraial se engajou em outros assuntos mais picantes que ocorriam pela região. Foi numa noite nublada do sétimo mes de gestação que a jovem senhora se viu em apuros, pois seu bebe nasceria prematuramente. Foi a aia acompanhada de duas senhoras vizinhas que serviram de parteiras naquele momento de muita dor acompanhado por gemidos. De repente fez-se um silencio tumular naquele quarto  - apenas viram a aia saindo, tropeçando e chorando pelo jardim  da propriedade.


Atualmente o casarão ainda encontra-se em pé no arraial, que já é um município, e lá reside a ultima descendente daquela familia que ha décadas foi marcada por uma maldicão, segundo dizem, os mais velhos.
O  tal berço encontra-se meio amassado, sem os pés, jogado num canto do quintal consumido por ervas rasteiras e madeira podre como relíquia dos tempos faustos.
Ah sim, o bebe nasceu forte e esperto . A mãe ao contempla-lo deve ter tido um colapso pois morreu com ele nos braços;  e este continuou aconchegado ao corpo que esfriava, a grunhir por frio ou perda da mãe . Naquela noite nascera um macaco naquele corpo de mulher que nao tardou  a sair dependurado pela cumeeira ao encontro da janela aberta, e sumir aos berros, rumo ao paredão.

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